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Este microbook é uma resenha crítica da obra:
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ISBN: 9788532641472, 9788532655530
Editora: Editora Vozes
O esvaziamento imposto pela ditadura à universidade como um local que elaborava propostas para o país foi, em parte, revertido em alguns partidos de esquerda, em especial o Partido dos Trabalhadores. Naqueles anos sombrios, os estudos referentes ao planejamento urbano foram sufocados, bem como as universidades como ambientes de elaboração de um melhor planejamento nessa área. Apesar do sentimento de temor diante da tarefa, quando Luiza Erundina venceu, inesperadamente, a eleição para a Prefeitura de São Paulo, em outubro de 1988, diversos arquitetos e urbanistas se dedicaram à chance de colocar em prática tudo o que vinha sendo discutido à época. Outras cidades já estavam mais avançadas na venturosa experiência, como era o caso de Porto Alegre e Diadema.
Para arquitetos e urbanistas, a experiência prática é fundamental. A ausência dela dá lugar a uma inevitável frustração. Para aqueles que são engajados politicamente com a construção de um espaço mais saudável e mais justo, a venda alienada da força de trabalho é insuportável. Algumas obras pontuais nas periferias urbanas ocuparam os especialistas nos anos de 1970, no contexto das Comunidades Eclesiais de Base e dos movimentos sociais que ressurgiam. Depois surgiram as primeiras experiências de prefeituras municipais democráticas. Quando a esquerda começou a ganhar eleições fora das capitais, já que nessas cidades os prefeitos eram nomeados pela ditadura militar até 1985.
A Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano foi dirigida por Ermínia entre 1989 e 1992. Estava organizada para tratar da cidade formal e seus 1.500 funcionários se ocupavam dos locais de moradia pobres apenas marginalmente. O aumento da cidade informal exigiu crescentemente da máquina pública uma atenção que ela não pretendia nem estava preparada para dar. Afinal, jogar para os ombros dos trabalhadores o custo de sua própria reprodução na cidade por meio da autoconstrução das casas e ocupações irregulares do solo é parte intrínseca da condição capitalista periférica de barateamento da força de trabalho, de um lado, e manutenção de um mercado residencial restrito ao “produto de luxo”, de outro. Rotineiramente, a atenção do governo municipal aos “informais” surgia apenas em determinados momentos, quando alguma tragédia fazia vítimas e a cidade informal teimava em aparecer pelas costuras do tecido que pretendia ocultá-la. A mudança na estrutura da Sehab enfrentou muita resistência, mas teve nos movimentos de moradia uma forte alavanca impulsionadora. A eleição de Luiza Erundina dera-se num contexto de desemprego, e grande mobilização dos movimentos sociais que ocupavam terras como forma de conquistar a moradia na Cidade de São Paulo. Após a eleição, o edifício da Sehab foi o endereço para onde boa parte dessas ocupações se deslocou. Nos primeiros dois anos de governo, semanal ou mensalmente havia uma ocupação da Sehab, por parte de algum dos movimentos paulistanos, exigindo maior velocidade nas ações.
Inverter prioridades significava transformar o orçamento e todos os procedimentos em realmente públicos. Alguns paradigmas foram quebrados: projetos de habitação social mostraram boa arquitetura, alta qualidade de construção, adequada inserção na malha urbanizada, participação social; métodos de intervenção em áreas de risco geotécnico foram desenvolvidos; novo arranjo de fiscalização integrada dos mananciais foi colocado em prática; novas leis permitiram abrir novas possibilidades para as edificações. Esta lista seria muito longa se lembrássemos das inovações de todo o governo nas áreas de saúde, cultura, educação, drenagem, coleta de lixo. Vale lembrar que essas inovações não se davam apenas em São Paulo, mas em muitas prefeituras de todo o país, nos anos de 1980 e 1990.
Apesar das dificuldades vividas na Prefeitura de São Paulo, Ermínia não hesitou ao ser convidada, anos depois, para uma nova experiência de administração pública em 2002. Havia muito conhecimento acumulado pelos movimentos sociais organizados em torno da temática da Reforma Urbana em decorrência de debates e ações disseminadas pelo Brasil desde meados dos anos de 1970, quando o Movimento Contra a Carestia iniciou um processo de lutas urbanas que demandava melhores condições de vida e desafiava a ditadura. O número de militantes dos movimentos sociais se ampliou e aumentaram também suas reivindicações que passaram a incluir mudanças no aparelho de Estado como a participação na definição do orçamento público, no direito da propriedade da terra, na representação parlamentar, nas iniciativas legislativas etc. Não se esperava nenhuma grande e muito menos uma rápida mudança, já que havia algum conhecimento e experiência com gestão urbana municipal e metropolitana. Para os que tinham formação teórica sobre a produção capitalista do espaço urbano isso era ainda mais evidente. Mas era esperada, sim, a abertura de um canal para o qual convergisse a articulação de todos os que lidavam com os dramáticos e crescentes problemas urbanos, permitindo dessa forma ampliar e fortalecer o debate sobre como encaminhá-los e influir na correlação de forças de modo a encaminhar novas soluções. Parecia claro que esse encaminhamento levaria à construção social, e não apenas governamental, da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Mesmo anos depois da criação do Ministério das Cidades, o destino das cidades brasileiras está longe de mudar de rumo. Podemos dizer que os movimentos ligados à Reforma Urbana “bateram no teto”, isto é, estão fragmentados e muitos desmobilizados e têm poucas possibilidades de avanço real na linha preconizada pelas agendas tão debatidas em um sem número de encontros, reuniões, congressos, seminários etc. As originais experiências de gestão municipais democráticas e populares que marcaram os anos de 1980 e 1990 parecem ter se esgotado. A evidência insofismável é de que as cidades continuam piorando e a questão fundiária, que ocupa a centralidade das propostas de Reforma Urbana e do Direito à Cidade há mais de meio século, não avançou de forma significativa. O Ministério das Cidades constitui uma central pródiga em anunciar obras, gerenciadas pela Caixa, que entretanto guardam pouca coerência entre si ou com uma orientação que defina um adequado e sustentável desenvolvimento urbano ou metropolitano, em que pese o esforço de muitos técnicos ou militantes profissionais e políticos que fazem parte dos quadros da máquina federal.
O Brasil passou, em poucos anos, entre o final do século XX e início do atual, de um país tido como inviável e sem futuro a um player internacional e país das oportunidades. A reorganização do capitalismo brasileiro acarretou mudanças sociais, demográficas, regionais e culturais ainda pouco assimiladas até mesmo no universo acadêmico. Parte dessas mudanças foi orientada pelo lugar que o Brasil passou a ocupar na fase de expansão internacional do capitalismo conhecida por globalização. Parte se deveu à forma como as forças políticas internas, especialmente as políticas de Estado, conduziram o país nesse contexto. Durante os 8 anos de seu governo, FHC, voluntária ou involuntariamente, liderou um movimento neoliberal em perfeita consonância com as orientações emanadas pelo chamado Consenso de Washington. Mudanças na política de investimentos, programas sociais e a erradicação da pobreza como prioridades foram o que alçaram o Brasil acima do patamar em que estava.
Em dezembro de 2008, o Bolsa Família passava de 11 milhões de famílias com recursos beirando o valor de 11 bilhões de reais. O programa retirou mais de 5 milhões de pessoas da indigência. Em 2001, o programa antecessor, criado pelo Governo FHC, retirou da indigência 3,1 milhões de pessoas. Praticamente metade dos recursos do Bolsa Família se destina à Região Nordeste, onde os rendimentos do trabalho se mantêm os mais deprimidos do país. Recursos da política assistencial e especialmente a transferência de recursos fiscais distributivos, definidos na Constituição Federal de 1988, deram ao Nordeste uma condição de crescimento acima da taxa nacional.
Considerando os rendimentos do trabalho, aumento do emprego, ganhos da previdência e a política assistencial, entre 2001 e 2008, o número de pobres no Brasil caiu de 57 milhões para menos de 30 milhões de pessoas, o que significa uma queda equivalente a 30% da população para 15,5%. Quanto ao número de indigentes ou pobreza extrema, o número é mais efetivo e caiu de 36 milhões de indivíduos para 12 milhões ou 3,6 milhões de famílias, no mesmo período. Isso significa que a proporção de indigentes que era no começo do período 19,2% da população cai para 6,5%.
O ProUni, Programa Universidade para Todos, foi criado em 2004 com a finalidade de conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de ensino superior de instituições privadas. O programa prevê, em contrapartida, isenção fiscal às instituições de ensino privadas. Desde sua criação até pouco antes da publicação deste livro, ele atendeu 748 mil estudantes. É uma excelente ferramenta para democratizar e ampliar o acesso dos mais pobres ao ensino universitário.
No contexto de tantas mudanças, alguns aspectos das políticas sociais avançaram e alguns aspectos ligados ao “poder do atraso” ficaram intocados. O Ministério das Cidades foi um dos que foram sacrificados em nome da ampliação do apoio ao governo no Congresso Nacional. Não se pode afirmar que mantida a equipe inicial do Ministério das Cidades o novo paradigma da política urbana fosse alcançado mas, sem ela, certamente, não haveria chances. A autora nega uma possível falta de modéstia, mas sim do reconhecimento da legitimidade dada por muitos anos de militância no chão social das cidades, muitos anos de estudos e debates sobre as especificidades da cidade periférica, e, finalmente, muitos anos de trabalho profissional no setor público priorizando combater a injustiça urbana. Sem essa equipe, ou alguma outra que representasse esse arranjo, dificilmente a tarefa de pensar melhor num verdadeiro planejamento urbano se completaria.
Mesmo no interior das forças de esquerda e reformista não havia clareza sobre como conduzir a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano no Governo Lula. Para alguns a PNDU estaria resolvida quando se desse a integração entre as políticas setoriais e as instâncias federativas. Estes propunham um projeto de Lei, a criação do Sistema Nacional de Cidades, inspirado no SUS. O Sistema Nacional de Cidades resolveria o problema do arranjo federativo e intersetorial. Para outros, a unidade e centralidade da PNDU era dada pelo Planejamento Urbano, sob a forma de Plano Diretor ou algo equivalente que, fornecendo um cenário holístico, orientaria as políticas setoriais. O Plano Diretor tornou-se obrigatório para a parcela mais urbanizada dos municípios brasileiros, pelo Estatuto da Cidade de 2001. Sua inclusão na Constituição de 1988 e no Estatuto da Cidade se deu sem o apoio das forças sociais que compunham o movimento de Reforma Urbana. Durante o Regime Militar, uma produção numerosa e ineficaz de PDs, orientada e financiada pelo governo federal, conduziu à sua desmoralização até mesmo entre urbanistas.
Para a construção social da PNDU com destaque para uma Política Nacional de Regiões Metropolitanas, a Secretaria Executiva havia contratado alguns estudos que pretendiam informar o debate sobre a realidade urbana brasileira, melhorando sua qualidade. Os principais entre eles tinham como objeto:
a) Uma classificação para as cidades brasileiras por meio do cruzamento entre o enfoque regional e o enfoque intraurbano. Ao invés de repetir mais uma vez os estudos que buscavam reproduzir a hierarquia da rede de cidades brasileiras, este buscou traçar uma classificação dos núcleos urbanos baseado na inserção regional e microrregional em consonância com o trabalho que se fazia no Ministério do Desenvolvimento Regional.
b) “Estado da arte” das metrópoles brasileiras definidas por lei estadual em comparação com aquelas definidas por critérios técnicos de continuidade orgânica. O trabalho trouxe ainda uma metodologia para mapear os pontos vulneráveis, concentradores de problemas sociais nas metrópoles que deveriam merecer atenção dos governos federal, estaduais, metropolitanos e municipais.
c) Estudo das finanças municipais buscando caracterizar sua dependência em relação às transferências de recursos de outras esferas de governo e debater as possibilidades e graus de autonomia financeira. Buscava-se discutir especialmente o uso do IPTU como política urbana além de financeira
No início do Governo Lula, uma febre planejadora tomou conta de todos os Ministérios que tinham uma orientação de esquerda. Tratava-se de recuperar o papel planejador, regulador e promotor do Estado atacado por todos os lados nas gestões anteriores. E aparentemente todos se achavam na condição de eixo central ao qual os demais deveriam se subordinar: Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente, Saúde, Desenvolvimento Agrário, Trabalho e Emprego, para citar os principais exemplos.
A resistência oferecida pela equipe inicial do Ministério das Cidades contra as restrições arbitrárias e radicais na condução do orçamento federal, o que incluía a exorbitante taxa de juros responsável pelo ralo por onde escoava abundante dinheiro público para o setor financeiro, com o pagamento da dívida, e sua aversão ao clientelismo observado nas emendas parlamentares atraíram sobre ela críticas internas e externas ao governo. As forças neoliberais combinadas ao velho patrimonialismo reduziram muito o espaço da mudança pretendida.
Apesar da continuidade do processo das Conferências Nacionais, após a saída de Olívio Dutra do Ministério, em 2005, e do Conselho das Cidades dar continuidade a suas reuniões após essa data, a elaboração da PNDU perdeu fôlego. Nenhuma das propostas mencionadas de orientação para a PNDU teve seguimento. Talvez nenhuma delas levasse a uma alternativa que teria a hegemonia necessária para ser implementada. Nunca saberemos. A substituição do Ministro Olívio Dutra em julho de 2005 implicou o fim de uma proposta holística, mais avançada e original, que estava embasada nas forças de esquerda. Até mesmo o Projeto Moradia, realizado a pedido de Lula, que acompanhou passo a passo sua elaboração, foi esquecido em sua diretriz maior que era de não desvincular a política habitacional da política fundiária ou urbana. O Plano Nacional de Habitação, contratado pelo Ministério das Cidades em 2007 e finalizado em 2010, retomou essa articulação necessária, mas o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida, em março de 2009, também o ignorou na maior parte.
O PAC 1, de 2007, remete a maior parte dos recursos relativos à moradia e infraestrutura social para urbanização de favelas e, por isso, dialoga mais com o desenvolvimento urbano do que o pacote habitacional lançado pelo governo federal em 2009. A urbanização de favelas ou, de um modo mais geral, a recuperação de áreas urbanas degradadas, prevista no PAC 1, assegura, de fato, uma condição urbana saudável exatamente para os mais pobres, consolidando sua localização e também relações já construídas com o entorno. Grandes favelas situadas em regiões metropolitanas de todo o país foram ou estão sendo requalificadas seguindo um modelo que é resultado de muito acúmulo de experiências que se iniciaram na década de 1960. O impacto de tal intervenção é notável no local que é objeto imediato do projeto, mas também pode ser notado na região do entorno devido ao saneamento e à circulação viária que integra esse novo bairro à cidade. O PAC não ignora a cidade existente, mas propõe justamente incorporar esse passivo urbano elevando seu padrão de urbanidade.
A situação das cidades piorou muito nos últimos 30 anos e continuará a piorar, ainda que os investimentos em habitação e saneamento tenham sido retomados pelo governo federal a partir de 2003. Não houve mudança de rota no rumo que orientou a construção das cidades, especialmente das metrópoles. A ausência de controle sobre o uso e a ocupação do solo é evidenciada pela ocorrência de enchentes e desmoronamentos com centenas de vítimas fatais e milhares de desabrigados, fatos notáveis nas cidades de todo o país na temporada de chuvas dos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010. As conquistas institucionais não fizeram mudar as principais forças que conduzem as cidades brasileiras para a condição de tragédia social e ambiental. A forma desigual e especialmente a forma ambientalmente predatória do mercado fundiário e imobiliário cuja atitude especulativa foi potencializada pela introdução de investimentos maciços dos programas federais.
Nunca a esfera da política esteve tão cheia e ao mesmo tempo tão vazia. Do Banco Mundial, passando pelo Banco Itaú e um número incontável de organizações não governamentais, a participação democrática está presente em todas as agendas envolvendo, de preferência, também os pobres da periferia. A possibilidade de debater temas estruturais é remota não apenas para a diretora do Bird, mas também para a maior parte dos movimentos sociais e ONGs, que se multiplicam no Brasil e no mundo, guiados pela hegemonia do “participativismo”. É evidente que esses movimentos estão ocupados com problemas importantes como gênero, raça, meio ambiente, saneamento e habitação, entre outros. Mas aparentemente nos ocupamos em buscar melhores condições de vida, compondo um cenário dividido e fragmentado, tomando a parte pelo todo, contidos nos limites de um horizonte restrito, sem tratar do presente ou do futuro do capitalismo. Desistimos de fazê-lo.
Nos governos municipais muitas experiências inovadoras constituíram um conjunto do que poderíamos chamar, com alguma cautela, uma “nova escola de urbanismo”. Dentre algumas ações, a urbanização de favelas, requalificação de áreas degradadas, regularização urbanística e fundiária, assistência jurídica gratuita e novas formas de segurança na posse do imóvel, construções individuais ou coletivas com assistência técnica de arquitetos e engenheiros, abertura de canais participativos na gestão urbana, prevenção e recuperação de áreas de risco geotécnico, esgoto condominial, componentes pré-fabricados de argamassa armada para infraestrutura ou equipamentos coletivos, novas técnicas de urbanização de córregos a céu aberto, e, especialmente, a perseguição a um novo arcabouço legal de planejamento urbano que inclui operações urbanas e zoneamentos especiais com finalidade social. Estes foram alguns dos exemplos que atraíram profissionais, especialmente arquitetos e urbanistas, que tentavam um caminho que se diferenciava da arquitetura de mercado, além de admitir um engajamento social.
O que se entende por formação do pensamento crítico sobre a cidade periférica é, em síntese, o desenvolvimento de uma nova leitura do espaço urbano que contribuiu para uma nova formulação teórica sobre a metrópole na periferia do capitalismo. Esse esforço não se deu apenas no campo teórico e empírico que teve como objeto a urbanização periférica, mas teve também importante repercussão nas práticas dos movimentos sociais urbanos e na revisão das políticas públicas que buscavam minimizar as desigualdades sociais durante o processo de democratização do país em oposição à ditadura militar.
Se a eficácia das políticas urbanas praticadas pelo que poderíamos chamar de “nova escola de urbanismo”, pode ser questionada quando se toma como medida a evolução ou involução da qualidade de vida urbana nas décadas recentes, ou se pode ser questionada também a eficácia dos movimentos sociais urbanos em conquistar mudanças reais nesse mesmo período, a mesma dúvida não ocorre quando se trata de leitura, imagem, análise ou interpretação da cidade. Houve aí, efetivamente, uma mudança. Com os trabalhos de teóricos, intelectuais e profissionais que estudaram os espaços de moradia precária, especialmente a partir dos anos de 1970, a consciência sobre o universo da informalidade, da segregação, da pobreza, ganha nova dimensão. Não é possível afirmar que a representação hegemônica da cidade das elites e da legislação urbana formalista foi superada, mas não há dúvida que ficou abalada. A consciência sobre a injustiça espacial se ampliou.
O automóvel conformou as cidades e definiu, ou pelo menos foi o mais forte elemento a influenciar, o modo de vida urbano na era da industrialização. Aquilo que era inicialmente uma opção, passou a ser uma necessidade de todos. E como necessidade, que envolve todos os habitantes da cidade, ele não apenas matou a cidade, mas a si próprio. Sair da cidade, fugir do tráfego, da poluição e do barulho passou a ser um desejo constante. Em outras palavras, o mais desejável modo de transporte, aquele que admite a liberdade individual de ir a qualquer lugar em qualquer momento, desde que haja infraestrutura rodoviária para essa viagem, funciona apenas quando essa liberdade é restrita a alguns. A cidade do fim do século XX se confunde com a região. Se o taylorismo e o fordismo induziram a uma ocupação urbana mais concentrada, a disseminação do automóvel e o pós-fordismo determinaram uma ocupação dispersa e fragmentada. A robotização, a terceirização, a incorporação do just in time obedecendo a uma nova estratégia logística, a mobilidade do capital que transfere unidades de produção para regiões ou países onde a mão de obra é mais barata e a legislação ambiental, menos rigorosa, condenando ao abandono cidades marcadas pela produção fordista, todas essas características da chamada globalização levam a uma mudança na ocupação do território.
Mais recentemente, nas últimas décadas do século XX, os urbanistas incorporaram, além das críticas ao antimodernismo segregador, as críticas dos ambientalistas, que haviam sido ignoradas nas formulações do urbanismo modernista. A impermeabilização do solo causada pela urbanização dispersa que avança horizontalmente sobre todo tipo de território ou uso, a área ocupada e impermeabilizada pelo automóvel nesse modelo de urbanização fragmentando e dividindo bairros inteiros, a custosa e predatória poluição do ar se somam ao incrível número de acidentes com mortes ou invalidez, as horas paradas em monumentais engarrafamentos causadoras de stress. Enfim, o “apocalipse motorizado” é por demais visível e predatório para ser ignorado. Suas consequências envolvem desde aspectos subjetivos como a “solidão da abundância”, até fortes impactos sobre o aquecimento global, considerado o seu principal causador.
No campo ou na cidade, a propriedade da terra continua a ser um nó na sociedade brasileira. A partir dos anos de 1980, a globalização agravou o problema da terra, que tende a se tornar explosivo no mundo todo. O incremento do agronegócio baseado no latifúndio elevou a importância estratégica de produtos primários como minérios, celulose, grãos, carne, petróleo e etanol, que ganharam importância estratégica nos mercados globais. Hoje, eles promovem a expulsão de camponeses do meio rural numa escala que virá a ser contabilizada na casa dos bilhões de pessoas. Na década atual, a população mundial passou de majoritariamente rural para preponderantemente urbana. Os países pobres, onde a maior parte da população está no campo, são os maiores contribuintes da marcha para as cidades. Tal marcha é acelerada pela construção de barragens hidrelétricas no mundo todo, que motivou um movimento de despejados do território onde moravam. Tocados do campo, e excluídos do acesso à terra urbanizada ou a moradias formais, essa população migrante se amontoa em favelas sem água, esgotos, transporte, emprego, escolas e hospitais. Ela vive num cenário dantesco, sobretudo nas metrópoles da África ou da Ásia do Pacífico, mas também na Índia emergente e em toda a América Latina. No Brasil, nona economia mundial, a questão da terra continua a se situar no centro do conflito social, mas de forma renovada. Ela alimenta a profunda e a tradicional relação entre propriedade, poder político e poder econômico.
Pensar no que mudou nas cidades e no que tem sido feito para fugirmos dos desastres ambientais, trânsito cada vez maior e uma rotina caótica exige planejamento urbano. Arquitetos e urbanistas pensam nisso há muito tempo, com estudos e pesquisas. Ainda assim, as politicagens causam retrocessos aos montes, nos fazendo andar para trás em muitas dessas questões. Ermínia Maricato demonstra isso bem. De dentro e de fora da burocracia que marca nosso país. E pensar nos rumos que podem tomar a falta de planejamento em nossas cidades em meio a mudanças climáticas e de comportamento é assustador!
Depois de ver um pouco mais sobre os impasses na política urbana no Brasil, repare nos noticiários o quanto os perfis mais técnicos são deixados de lado na hora da montagem de ministérios e outros cargos de poder.
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Ermínia Maricato é uma arquiteta reconhecida pelo seu trabalho de militância no campo do urbanismo. Ela é professora, pesquisadora e uma ativista brasileira que já chegou a ocupar diversos cargos públicos. Tendo participado ativamente da cr... (Leia mais)
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